O documento intitulado: ANÁLISE DE CONJUNTURA ECLESIAL – INAPAZ (19/04/2023)



As ameaças à comunhão eclesial no contexto de polarização sociopolítica, cultural e religiosa é verborreia. 

Às vezes desnecessárias, sem fundamentação teórica, doutrinal ou histórica. Devaneios alucinógenos, de quem fala em comunhão, mas ataca quem pensa diferente. Fala de fraternidade, entretanto desmerece e desdenha sumariamente e cruelmente  daqueles grupos ou pessoas defensoras da “tradição” e da fé católica. O texto não é claro, objetivo e devaneia muito no contexto histórico da política partidária e às polarizações nos últimos pleitos eleitorais. Sutilmente defende um partido e ideologia política. As vezes a esquerda como modo de falsamente apresentar-se como neutro. Ninguém é neutro, somente o detergente. Mas, depois segue suas defesas ideológicas e partidárias. Não concordo com o modo por vezes sarcástico e agressivo de defender a fé de muitos grupos denominados: “extrema-direita”. O texto, de modo incisivo, imprime um saudosismo néscio, mentecapto e até energúmeno das experiências da teologia da libertação vivida por muitos bispos, padres e leigos nos anos 70 - 90. Do ponto de vista pastoral não é um problema, mas a hermenêutica marxista da teologia e doutrina católica  colocou em perigo a saúde da verdadeira fé católica. O texto de 40 laudas é quase uma “pulsão” freudiana recheada de recalque no modo da psicanálise interpretar a história e a política. A ideologia e o poder são realidades inegáveis  e ontológicas (conceito filosófico) inerentes à condição humana. Haver no rol dos  padres e bispos com ideologias de esquerda ou direita não é um problema, pois ideologias todos temos. Mas, quando são vinculadas ou impressos em um documento de análise de conjuntura da CNBB, implica perigo iminente de  transubstanciar na doutrina ou fé da igreja, verdades ou modos de interpretar a fé e a vida contrárias a sã doutrina. Ou ainda mais, o perigo de estabelecer critérios pessoais, unilaterais ou paradigma de interpretar a fé como autenticamente católica. “A experiência das CEBs e das diferentes pastorais, com a teologia que delas emergiu (a teologia da libertação) [grifo meu]. É uma tentativa dissimulada de dizer que este é o único e melhor modo de viver e interpretar a fé, a saber, a teologia da libertação, foi um laboratório fecundo de muitas iniciativas originais, lidas na época pelo filósofo jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz, como passagem de uma “Igreja reflexo” a uma “Igreja fonte”, e pelo teólogo Leonardo Boff como “eclesiogênese”.

O texto o tempo todo cita pensadores e teólogos de esquerda. Não se pode pensar em uma verdadeira e honesta comunhão, quando não há diálogo verdadeiro com quem pensa diferente.  Falta, no discorrer do texto uma honestidade intelectual e teológica, quando se pensa que somente há um único modo de interpretar a fé. O texto é mentiroso. 


“Ora a catolicidade é justamente a abertura para todas as diferenças, sejam elas sociais, de gênero ou de raça, como tão bem expressou São Paulo na carta aos Gálatas 3,28. Porém, para que essa abertura se torne realidade, é necessário descobrir que a diferença não é uma ameaça, mas uma riqueza ou uma provocação para receber do outro o que não se tem e que pode ser uma bênção para si mesmo ou para o conjunto do Corpo de Cristo, que é sua Igreja.”


Ora, pensemos na perícope acima citada: “Ora a catolicidade é justamente a abertura para todas as diferenças”. O texto é mentiroso e até cruel, pois cita grupos e movimentos  contrários  às proposições e análises expostas no texto como gladiadores raivosos do magistério do papa Francisco e dos bispos. Aqueles que escreveram a análise de conjuntura são incapazes de expor os pontos positivos e as devidas correções nos possíveis erros desses grupos, por exemplo: “Centro Dom Bosco”, movimentos e comunidades de vida, oriundas da RCC. 

Abertos à diferença, mas a qual diferença? O tempo todo impõe um único e preferível modo de viver, analisar e interpretar a fé católica. 

De modo geral, o texto é uma exposição de um pensamento ou modo de visão da realidade intra ex eclesial. Um dualismo antagônico, isto é, conservadores e progressistas, tradicionais e liberais, extrema-direita e extrema-esquerda. Como se no mundo da política, filosofia, teologia e da Igreja somente houvessem esses polos hermenêuticos. Falam de “escapismo do emocionalismo”, talvez muitos não saibam o significado: é uma tendência de fugir da realidade, aprisionando a segurança emocional ou mecanismo de defesa para com medo do novo, buscando fixar-se no passado eclesial, no dito “tradicionalismo”, por exemplo: a missa ou sacramentologia tridentina, ou qualquer realidade anterior ao Concílio Vaticano II. É um reducionismo ou patologia hermenêutica. Significa afirmar que tudo anterior ao Concílio Vaticano II está ultrapassado e não deve ser usado, aniquilando sumariamente a importância da rica TRADIÇÃO ECLESIAL, totalmente contrária a verdade do Concílio Vaticano II. “Por isso, segundo os Concílios Tridentino e Vaticano I, entende-se propor a genuína doutrina sobre a Revelação divina e a sua transmissão, para que o mundo inteiro, ouvindo, acredite na mensagem da salvação; acreditando espere e esperando, ame”. (Introdução Dei Verbum)

“Sagrado Concílio, guarda fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos, e deseja que, onde for necessário, sejam prudente e integralmente revistos no espírito da sã tradição e lhes seja dado novo vigor, de acordo com as circunstâncias e as necessidades do nosso tempo.” 

(SACROSANCTUM CONCILIUM, 4)

Estamos diante de um dilema: conservar a fé do Concílio de Jerusalém até o Concílio Vaticano II, ou dilui-la e aniquilá-la em um mundo cada vez mais “líquido”, relativista e fútil, sem firmeza, continuidade e fidelidade a Cristo e a sua Igreja. É correto, pergunto aos senhores bispos, descartar a rica tradição eclesial, em vista de um pretenso Aggiornamento ou forçada adaptação da fé ao mundo pós-conteporâneo, excluindo a solidez e clareza da rica tradição eclesial? Aggiornamento sem fidelidade não pode existir na Igreja. Todos devemos fidelidade, amor e oração ao magistério do Papa Francisco e respeito com irrestrita fidelidade ao Concílio Vaticano II, como algo verdadeiramente inspirado por Deus nos novos tempos na década de 60 e tempos posteriores. O Concílio Vaticano II respondeu com vivacidade, verdade e fidelidade aos problemas e necessidades de cada tempo. 

“A Igreja se libertou de uma carga tradicional que a tornava pouco simpática ao homem moderno e conseguiu elaborar uma nova codificação da fé que respondesse ao espírito crítico do homem urbano, assimilado dentro do processo produtivo capitalista. Os intelectuais, antes em sua grande maioria anticlericais, agora passaram a ter na Igreja uma aliada. A Igreja confia muito mais nos centros de poder decisório que procuram engajar-se em tarefas eclesiais e imbuí-los de espírito novo, nascido do Vaticano II. Os vários movimentos como Cursilhos de Cristandade, Movimento Familiar Cristão, Movimento Carismático e outros deste gênero têm como endereçados primeiros os grupos bem situados na sociedade e não o povo proletarizado e pobre. O futuro deste tipo de presença da Igreja a partir de sua coligação com os estratos modernos da sociedade depende do destino da pró pria sociedade moderna. A Igreja tentará evangelizá-los a partir dos valores e da ótica própria da modernidade. A relação para com os pobres se definirá a partir da ótica dos ricos acerca dos pobres; os ricos serão convocados a ajudar na causa dos pobres, mas sem precisar, necessariamente, mudar de lugar social e de prática burguesa.” (Boff, Leonardo. Igreja, carisma e poder, p. 27)

Análise de conjuntura 2023 é uma tentativa pueril, um genuíno escapismo, uma tentativa de firmar na segurança do modo interpretar a fé do ideólogos da teologia da libertação. Não deixa de ser um saudosismo do final da década de 60, 70, 80 e 90. É, digamos: a síndrome teológica de Peter Pam ou de Gabriela. Não entendem sem perder de vista a fidelidade a Cristo, estamos em outros tempos. A fé cresceu, adapta-se e ao mesmo tempo é fiel. Os movimentos surgidos a partir da TL, na conjuntura da época na práxis da militância foram libertários e importantes, não como hermenêutica teológica, desse ponto de visto um fracasso e erro grave teológico. 

Penso como um simples sacerdote ser atualmente um tempo de acolhimento necessário na Igreja, mais do que primeiramente a ESCUTA, depois, primeiro acolher, corrigir e amar os diferentes. Não espancar, ferir, excluir e desdenhar do modo como cada um

experimenta a riqueza da diversidade da fé. Ser uma ocasião propícia para apaziguar. Não duelar, como se um modo fosse melhor em detrimento dos outros. Correção fraterna a partir dos pastores da Igreja, como autênticos pais. Sem escapismo de nenhum lado. Progredir nesta linda proposta do Papa Francisco: caminharmos juntos, apesar das diferenças. Sem ferir, julgar ou desdenhar. Não caminhar para trás. Seguir o caminho do futuro. Vislumbrar cheio de esperança e alegria um futuro eclesial de comunhão. Somente pode-se fazer comunhão na diferença, tendo Cristo sempre como centro. “Conservemo-nos firmemente apegados à nossa esperança, porque é fiel aquele cuja promessa aguardamos. Olhemos uns pelos outros para estímulo à caridade e às boas obras.

Não abandonemos a nossa assembleia, como é costume de alguns, mas admoestemo-nos mutuamente, e tanto mais quando vedes aproximar-se o Grande Dia.” (Hb 10, 23-25) Fazendo o bem uns aos outros. A maneira como interpretamos as realidades são sempre limitadas, ora, os nossos sentidos são limitados, não conseguimos ter uma visão total ou universal dos fatos. A Nossa compressão é sempre limitada. “O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou entende-a por completo. Ele pode ver, ouvir, tocar e provar. Mas a que distância pode ver, quão acuradamente consegue ouvir, o quanto lhe significa aquilo em que toca e o que prova, tudo isto depende do número e da capacidade dos seus sentidos. Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta.” Yung, Karl. O homem e seus símbolos, p. 23).  A verdade única e absoluta é sempre Cristo, e somente a Igreja magisterialmente, iluminada pelo Espírito Santo pode interpretar de modo autêntico o _depositum fidei_. A análise de conjuntura 2023 errou gravemente quando tentou propor um único modo de viver e interpretar a fé, na tentativa de retomar a hermenêutica da teologia da libertação em um viés marxista. O texto dualisticamente e desonestamente impõe a proposição: os grupos oriundos da TL, movimentos eclesiais de esquerdas, CEB’s fazem a verdadeira “opção preferencial pelos pobres”, já os movimentos de direita são simplesmente neo-liberais, capitalistas, egoistas e “cristofacistas”. Esquecem a existência de tantas experiências pentecostal na igreja, as quais fazem verdadeira “opção preferencial pelos pobres” e tantos movimentos tradicionais nos seus núcleos exercem de modo evangélico o cuidado com os mais vulneráveis e suas ações são mais extensas em razão de suas discretas ações caritativas. Não é restrita a “opção preferencial pelos pobres”. Há um único modo de viver ou interpretar a fé na Igreja. Não é uma opção exclusivista ou individual, mas antes de tudo, eclesial. O próprio Cristo coloca-nos diante desse compromisso de vida cristã: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.” (Mt 25, 31-36) 

Por fim, deixemos os rótulos, mas chamemos-nos de cristãos, católicos, nem conservadores, nem liberais, nem extrema-direita ou extrema-esquerda, tradicionais ou progressistas, simplesmente e humildemente somos irmãos em Jesus. A clareza dessa verdade deve imperar em nossa vida. SER IRMÃOS, CAMINHARMOS JUNTOS, APESAR DAS DIFERENÇAS, DE MÃOS DADOS, COM OS CORAÇÕES CHEIOS DE AMOR, SENDO FIÉIS A CRISTO E SUA IGREJA. 

Amém! 


*1. Para Freud pulsão, significa um movimento impulsionador que nos direciona através dos desejos a um objeto específico. É uma força que faz o indivíduo tender a um objetivo.  

*2. Mecanismo de defesa consiste reportar para o inconsciente emoções, pulsões e afetos que são considerados repugnantes para um determinado indivíduo.

*Ontológico: referente a natureza. Algo inerente ao ser.


Pe. Jeronimo Pereira Bezerra 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“A Verdade por Trás da ‘Missa de Sempre’: Tradição ou Ideologia?”

Venerável Pe. Celso Alípio-70 anos de vida sacerdotal

O ESCÂNDALO DA VIDA- PE. PETRÚCIO DARIO