O SILÊNCIO AMARGO DO SUICÍDIO DE PADRES E SEMINARISTAS

 


No silêncio amargo e triste: padres e seminaristas estão adoecendo. Perdendo o sentido da vida e vocação. A doença esvai dos seus corações la gioia della loro vita - Gesù Cristo. Sem Cristo nossa vida fica desnorteada. Segundo DSM V, as principais características da depressão são as seguintes: “A característica comum desses transtornos é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo.”

Todos devem estar alerta quando alguém a nossa volta muda de humor ou passa a ter comportamento diferente do comum. A depressão é uma doença séria que vai consumindo de modo voraz a vida da pessoa, às vezes, sem ela perceber. Em uma sociedade egoísta, ególatra e gananciosa temos certa dificuldade de olhar com carinho para os outros. É a competição de mostrar quem é melhor. O destaque da turma. No caso eclesial, as preocupações são as carreiras, as posições de poder, a “episcopite” aguda e desenfreada, capaz de passar por cima dos valores éticos e cristãos. O poder, se não for serviço, exousia, mata a si mesmo e aos outros.

Os transtornos, muitas vezes fruto das exigências, cobranças eclesiais e sociais, são um problema sério. Antropologicamente e psicologicamente se faz necessário que as autoridades da igreja, isto é, o papa e os bispos, sejam capazes de, humildemente, desconstruir os conceitos e compreensão de poder, e mais ainda, de evitar conchavos e tratar todos de modo paternal e respeitoso. Rever concepções e mudar atitude é sempre um processo exigente e doloroso: nem todo mundo é capaz de rever suas idéias e concepções sobre a vida. “Impensar é refletir de modo a explicitar as condições e os modos que constantemente informam, mobilizam, dispõem, estruturam e instituem nossa percepção, nosso modo particular de olhar os seres e as coisas e consequentemente a formulação epistêmica que orienta nossas ações e pensamentos.”(SANTAMARIA, Enrique. Do conhecimento de próprios e estranhos (disquisições sociológicas). In: LARROSA, Jorge; LARA, Núria Pérez de. (Org.). Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 59)

 Na condição estrutural do clero e dos seminários, de modo geral, predominam o modo clássico de autoritarismo e tendo como princípio unilateral de quem manda e quem obedece. Esta ideia de poder encontra-se presente em tantas obras filosóficas desde O príncipe, em Maquiavel, ou Leviatã, escrito por Thomas Hobbes. Porque tratar de poder, quando se está falando de mortes de padres e seminaristas, ocasionadas por transtornos psicológicos? Porque, exatamente, exceto por contextos internos (dilemas pessoais), genéticos e contextuais, na Igreja, na maioria das situações, a grande causadora é a incapacidade de ingerir ou digerir a autoridade ou poder sobre aqueles que estão sob a nossa responsabilidade como pastores da Igreja.

A abordagem não deseja atacar, ferir, incitar ou provocar mal-estar intraeclsialmente ou extraeclesialemente, mas fazer-nos repensar nossas atitudes e comportamento diante dos outros. Outro motivo: são as incompatibilidades do ponto de vista de condição sexual com o sacerdócio ministerial. O jugo pesa nas costas de muitos porque nem sempre sabemos lidar com temas em relação à sexualidade humana. Tudo é inferno. Tudo é pecado. E todos estão condenados por uma condição não preterida. Entendam: não estou relativizando a sexualidade humana, adaptando-me às discussões multidisciplinar e transdisciplinar sobre gênero. Esse não é o momento.

“A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder.” ( FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 13ª edição, Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. p. 99.) A sexualidade humana nas mais variadas facetas foram e são dispositivos de garantia ou manipulação de poder. Na Igreja, por diversas vezes, já se foi provado através dos escândalos sexuais envolvendo parte do clero. Sem julgamento.

Como estudante de Psicologia, por ora, é importante versar sobre o modo como tratamos os outros e suas respectivas consequências.

Voltemos ao assunto do poder. Em ambiente predominantemente marcado pelo poder, as pessoas são obrigadas a seguir caminhos muitas vezes diversos de sua consciência ou vontade. Talvez alguns possam me chamar de “louco”. Segundo Folcault: “A loucura não existe, mas os loucos existem. A loucura, enquanto substância, enquanto qualidade própria, não passa de uma positividade discursiva que se transforma ao longo do tempo e classifica certos tipos de inadequados como próximos ao sagrado, desatinados, furiosos, insanos e doentes mentais.” O louco muitas vezes é simplesmente alguém que foge dos padrões sociais, culturais e, permitam-me, até religioso. O modo como categorizamos as pessoas, dividimos em classes, ofertam-se benefícios (certas paróquias, cargos, funções e prestígios) e condições de estudos. Suprime-se, involucra-se ou subestima-se a capacidade das pessoas (padres e seminaristas) e estas atitudes são instrumentos de opressão.

“Para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação entre poder, direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância, digamos isto: somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade ou encontrá-la.” (Foucault, 1999:29)

Qual a verdade que somos a obrigados a produzir sobre nós mesmos? As cobranças de modo exagerado, sarcástico e humilhantes não são mecanismos de autoritarismo e demonstração patológica de poder? Não fazem os outros sofrerem? Massacram suas identidades e aspirações. Já presenciei várias vezes, por diversos modos, atitudes ou comportamentos desse tipo. Não julgo. Busco compreender o que está envelopado dentro de certos comportamentos opressores. Exemplo: a) incapacidade de diálogo; b) dificuldade de ouvir; c) imposição pelo poder ou cargo que ocupa; d) falta de discernimento da verdade; e) escutar somente o que é conveniente ou quem lhe é conveniente; f) ausência da paternidade ou fraternidade; g) escutar somente uma versão, julgar aquela como sendo a verdade, e outros exemplos.

Outro ponto destacável: a disciplina. Em nossos ambientes eclesiais onde há um grande número de pessoas e a necessidade de controle nem sempre é possível de modo satisfatório por quem tem a responsabilidade difícil de salvaguardar a tão necessária ordem, mas é preciso rever o modus operandi, em relação a como corrigir os erros e dirimir os problemas. "Mas a disciplina traz consigo uma maneira específica de punir, que é apenas um modelo reduzido do tribunal" (Foucault, 2008:149). Quem tem poder de juiz, nem sempre possui a capacidade de conferir a pena de modo justo.

Outra causa de suicídio conjuntamente com a depressão é a síndrome Burnout: conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões: 1) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; 2) aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; e 3) sensação de ineficácia e falta de realização. Burn-out refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida.” (CID 11, https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f129180281 ) As inúmeras e, às vezes, desnecessárias cobranças ou exigências em produzirmos pastoralmente e financeiramente. As cobranças do nosso modo de ser, agir e nossas identificações contrárias a quem detém o poder e a partir do próprio povo, de fato, esgotam emocionalmente. Um sacerdote amigo contou que certa vez, tinha saído 5h da manhã para conferir uma unção dos enfermos, e em seguida foi direto para a igreja para presidir a Santa Missa, um paroquiano o questionou: “Mas, padre,o Senhor mora tão próximo da igreja, precisa vir de carro?” Conotando ao padre, em outras palavras, alguém preguiçoso.

São muitas exigências. Os bispos nem sempre conversam para saber as nossas necessidades e interesses. Criam pré-conceitos a partir da tal: ouvir dizer.  A fofoca, a calúnia e difamação, vamos ser sinceros:  reinam em nossos ambientes eclesiais.

Ou começamos uma mudança honesta e verdadeira, estruturalmente, ou sacerdotes e seminaristas continuarão sofrendo no silêncio amargo, solitário e definhante, aos poucos matando ou sucumbindo o amor de Cristo nos seus corações. E continuaremos pecando por omissão e covardia.

Apesar do texto longo e, talvez alguns pensem como pessimista, na verdade não é, pois como padre, depois de 10 anos de vida sacerdotal, entre tristezas, amarguras, desafios, cobranças, calúnias, difamações, perseguições, mantenho um coração alegre e feliz, pois Cristo é a jóia mais bela da minha vida. Sou feliz por ser padre. Não seria outra coisa na minha vida. Deus sabe do caminho difícil percorrido até o atual momento, mas meu coração enche-se de alegria pela certeza do amor de Cristo por mim. Elegendo-me de modo generoso, apesar das minhas debilidades e pequenez. Concluo com as palavras de São Paulo: “Não damos a ninguém nenhum motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja desacreditado. Mas em tudo nos recomendamos como ministros de Deus, com muita paciência, em tribulações, em necessidades, em angústias, em açoites, em prisões, em tumultos, em fadigas, em insônias, em jejuns, em castidade, em compreensão, em longanimidade, em bondade, no Espírito Santo, em amor sincero, em palavras verdadeiras, no poder de Deus, em armas de justiça, ofensivas e defensivas, em honra e desonra, em má ou boa fama; considerados sedutores, sendo, porém, verazes; como desconhecidos, sendo porém, bem conhecidos; como moribundos, embora vivamos; como castigados, mas não mortos; como aflitos, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo muitos; como quem nada possui, mas tendo tudo.” (II Cor 6,3-10)

Com a nossa vida e ministério podemos salvar vidas e tornar o mundo um lugar melhor pela presença de Cristo.

*Desejo, com este artigo, ajudar na reflexão. Não emitir juízo de valor sobre qualquer pessoa. Tudo escrito é a partir de escuta de várias lados e observação cuidadosa do comportamento humano, inclusive minhas próprias atitudes. Não tenho vergonha de me colocar desse modo, mas tenho coragem e ousadia para reconhecer a urgência em mudar minhas atitudes e comportamentos.

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