Dom Antônio Muniz e o NADA!
“Eu gostaria de encerrar esse momento com duas palavras e dois sentimentos que vêm de São João Batista. É preciso que agora Dom Carlos Alberto cresça e que eu diminua (cf. Jo 3,30). Rezem para que eu seja diminuído ao máximo, como disse o mestre São João da Cruz, eu quero apenas que fiquem na minha carne as marcas da cruz de Cristo, rezem muito para que, tendo no seu coração a mim, rezem para que eu diminua e eu seja nada a partir de agora, seja um nada.” (Dom Antônio Muniz Fernandes, arcebispo emérito de Maceió).
Metafisicamente, o nada não é, mas o nada é abertura para o Ser — em si. “Terra autem erat inanis et vacua”. (Gn 1, 2). Deus criou tudo do vazio, do sem vida, a partir de sua “Bereshit bará Elohim et hashamaim ve-et haáretz:) — “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1,2). Deus, no seu imenso amor e na sua Palavra criadora, do nada, tudo começa a existir. Pensar no nada, talvez seja até loucura. Durante toda a história da filosofia, se pensou na existência do nada. As coisas somente existem a partir do empírico (experiência)? Ou há realidades ônticas? Que superem o físico. Talvez, nossa angústia seja o medo do nada, o silêncio absorto que ele provoca na nossa vida.
Estamos marcados pelo fenômeno ou pelas coisas que aparecem e a angústia invade o nosso ser. Quando pensamos que existem realidades além das nossas capacidades. Na velhice, na perda do poder ou na angústia das dores da vida, nos aniquilamos. “Estamos suspensos na angústia. Melhor dito: a angústia nos suspende porque ela põe em fuga o ente em sua totalidade. Nisto consiste o fato de nós próprios — os homens que somos — refugiarmo-nos no seio dos entes. E por isso que, em última análise, não sou “eu” ou não é “você” que se sente estranho, mas a gente se sente assim. Somente continua presente o puro-ser-aí no estremecimento deste estar suspenso, onde nada há em que se apoiar. A angústia nos corta a palavra” (HEIDEGGER, M. Que é metafisica? Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1989b. (Os Pensadores).p.39-40.
Então esse nadificar é uma sensação de frustração ou restrição? “Em benefício de uma terminologia uniforme, descreveremos como ‘frustração’ o fato de um instinto não poder ser satisfeito, como ‘proibição’ o regulamento pelo qual essa frustração é estabelecida, e como ‘privação’ a condição produzida pela proibição)”. (FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Vol. XXI. Rio de Janeiro. Imago, 1996. p. 195. 20, 1930).
Para o nosso desenvolvimento humano, espiritual e afetivo, é preciso viver as frustrações da existência. Quando criança, os pais querem impedir de vivermos ou fazermos essas experiências que nos angustiam, por proteção muitas vezes. “É fundamental para o processo de desenvolvimento do ser humano que permita ao indivíduo, desde criança, viver frustrações, na medida de sua habilidade para assimilá-las. Nesse contexto, o indivíduo pode aprender a superar situações sociais, em vez de apenas as manipular para diminuir seus efeitos”. (VAVASSORI, Mariana Barreto. Postura Dialógica e Frustração Habilidosa: Tramas da Terapia Gestáltica. Rev. IGT na Rede, v. 14, nº 27, p. 185-200, 2017. p. 185 – 200. Disponível em: <pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v14n27/v14n27a04.pdf >. Acesso em: 24 jun. 2020., p.192, 193).
“O nadificar não é um episódio casual, mas como remissão (que rejeita) ao ente em sua totalidade em fuga, ele revela este ente em sua plena, até então oculta, estranheza como o absolutamente outro – em face do nada. Somente na clara noite, do nada da angústia, surge a abertura do ente enquanto tal; o fato de que é ente – e não nada. Mas este “e não é nada”, acrescentado ao nosso discurso, não é um esclarecimento tardio, mas a possibilidade prévia da revelação do ente em geral. A essência do nada originariamente nadificante consiste em: conduzir primeiramente o ser-aí diante do ente enquanto tal“. (Heidegger, 1989b, p.141; 1996, p.144) As categorias filosóficas usadas neste artigo causam náuseas e deixam a inteligência embrulhada. Mas, antes de chegarmos ao fim, podemos lembrar de Sartre, segundo o filósofo, somos uma construção, a existência precede a essência. Então, somos o nada em devir (mudança).“o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define” (SARTRE, 1962, p. 182).
Ora, pensar dessa forma excluímos quem somos no mais profundo do nosso âmago. Nossa existência é marcada pelo vazio. Sem alma. O homem é simplesmente uma coisa, que, como uma massa de modelar, pelas “mãos” da experiência, vai sendo moldada. Se somos oleiros ou juízes da vida, por que então adoecemos, sofremos e morremos? A grande tristeza do homem que, apesar de todas as suas lutas, sua vida desemboca no NADA, para no final SER, um grito de socorro, um sentimento de desespero ou desamparo. Por que Deus, no fundo, não existe? Não! Porque pelo nosso nada podemos contemplar a glória de Deus, quando fazemos a experiência do esvaziamento, do tornar-se NADA, Deus enche todo nosso ser com sua bondade. “A maior baixeza do homem é a procura da glória, mas nisso mesmo está a maior marca de sua excelência; porque, por mais posses que tenha sobre a terra, por maior saúde e comodidade essencial que possua, não se sente satisfeito se não está na estima dos homens. Ele considera tão grande a razão do homem que, por maior vantagem que tenha sobre a terra, se não estiver situado vantajosamente também na razão do homem, não se sente contente. É o mais belo lugar do mundo; nada pode desviar o homem desse desejo…” (PASCAL, B. Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores), p. 404).
O homem vive esse constante sentimento de vazio. Quem pode preencher? “De maneira que tudo o que é criado é nada, e o apego a isso é impedimento e privação da transformação que se produz na união com Deus, da mesma maneira como as trevas são nada e menos que nada, pois são a privação da luz. E assim como aquele que está nas trevas não tem luz, tampouco poderá ter a Deus a alma que coloca seus afetos nas coisas criadas, e até que não se purifique desses desejos, não poderá tê-lo por meio da transformação pura do amor nem alcançará a visão clara da luz.”. (CRUZ, João, São. A subida do Monte Carmelo. Tradução: Rubens Enderle. Dois Irmãos–RS: 2021. Ed. Minha Biblioteca Católica, p. 12).
No olhar cristão, é preciso ser um humilde para deixar Deus olhar para nosso nada e transformar em amor. No final de tudo, o que resta é partir do nosso nada, é amar Jesus. Servir com amor. E do nada que somos, Deus faz tudo por amor, usando-nos para ser sinal de sua graça e bondade. Apesar de nossos erros, Deus usa-nos bondosamente como instrumento de sua generosidade. Considere, pois, o NADA como ESVAZIAR.
“Você que conhece minha extrema pequenez
Você não tem medo de se inclinar para mim!
Entra em meu coração, ó hoste branca que eu amo,
Entra no meu coração, ele anseia por ti!
Ah! Eu gostaria que sua bondade me deixasse
Morrer de amor depois desse favor.
Jesus! ouve o grito da minha ternura.
Entre no meu coração!” (https://archives.carmeldelisieux.fr/pt/archive/ps8/)
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