ALERTA AO CLERO

 


Sentir-se excluído pelas pessoas que deveriam acolher e incluir, pois, na igreja sinodal, comunhão, missão e participação, é infelizmente e tristemente para um jovem sacerdote constatar que não “caminhamos juntos”. Tento ressignificar diariamente minha história e vida, pois, antes de ressignificar, precisamos saber se estamos prontos para desenvolver este precioso processo. Mas tem-se diagnosticado que os grandes problemas psicoemocionais no clero e o cometimento de suicídio se dão pela ausência de fraternidade sacerdotal e acolhida a quem pensa diferente. É difícil compreender que quem pensa diferente não é meu inimigo, mas irmão. “O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. No caso dos padres, vários estudos apontam que os principais fatores de risco são o estresse, a solidão e a cobrança excessiva” (VALE, 2023).

É um assunto que não está sendo levado a sério, segundo a pesquisa do referido sacerdote: “De agosto de 2016 a junho de 2023, 40 padres se mataram no Brasil” (VALE, 2023). Será que se colocássemos em prática o discurso da igreja sinodal, ou seja, caminhássemos juntos, acolhendo, amando, vivendo momentos de tertúlias e respeitando o outro por pensar diferente, sem excluir, independentemente dos erros dos outros, seria um instrumento eficaz de cura? O que posso oferecer ao meu irmão sacerdote? Meu abraço, carinho, afeto e acolhida, não simplesmente por causa dele, mas por amor a Jesus.

“Com efeito, ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que dispusesse de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os ricos, os que ocupam altos cargos e os que detêm o poder são os que mais precisam de amigos; de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta sobretudo e em sua mais louvável forma em relação aos amigos? Ou então como se pode manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos? Quanto maior ela for, mais perigos correrá. E, por outro lado, as pessoas pensam que na pobreza e no infortúnio os amigos são o único refúgio” (ARISTÓTELES, 2012, p. 163).

Amizade sólida a partir de Cristo exige essa pergunta: Με αγαπάς σαν φίλο? - Tu me amas como amigo? (Literação: Me agapás san fílo?) construída a partir da fé acredito ser um forte instrumento de cura. Um bálsamo terapêutico na vida das pessoas. Em uma sociedade da virtualidade, cada vez mais difícil são as relações interpessoais, o contato, abraço, olhar, proximidade e afeto são cada vez mais realidades líquidas, as relações frágeis e sem fundamentos.

“A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação coletiva, é recebida muitas vezes com grande ansiedade e lamentada como "efeito colateral" não previsto da nova leveza e fluidez do poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo e fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma condição quanto um resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas principais o desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderes operem” (BAUMAN, 2001, p. 18).

Precisamos nos questionar: na Igreja também estamos “liquefazendo”, ou seja, tornando líquidas as verdades, a liturgia, a espiritualidade, os dogmas, as doutrinas e as relações interpessoais? “Para nos sentirmos parte da comunidade, do «nós», não é preciso usar máscaras que deem, de nós mesmos, apenas uma imagem vencedora. Ou seja, não precisamos nos vangloriar, e menos ainda nos orgulharmos ou, pior, assumir atitudes violentas, faltando ao respeito com quem nos rodeia. Há também formas clericais de bullying. Com efeito, se um sacerdote tem algo de que gloriar-se, é a misericórdia do Senhor; conhece o seu pecado, a sua miséria e os seus limites, mas experimentou que, onde abundou o pecado, superabundou o amor (cf. Rm 5, 20); e esta é a sua primeira boa nova. Um sacerdote que tenha isto presente não é invejoso, não pode ser invejoso” (FRANCISCO, 2022).

Portanto, para não me alongar na prosa, desejo que não esqueçamos: “e vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8). Nesta belíssima e necessária fraternidade sacerdotal, somos convocados a construir pontes, estabelecer laços. Reconheço que não é fácil lidar com o diferente, mas nesta realidade encontramos o significado de sermos amigos-irmãos. Concluo com as palavras de São João Paulo II, em seu discurso na Assembleia da ONU, a 5 de outubro de 1995, a respeito da diversidade cultural: “Querer ignorar a realidade da diversidade - ou pior ainda, tratar de anulá-la - significa excluir a possibilidade de explorar as profundidades do mistério da vida humana. A verdade sobre o homem é o critério imutável com o qual todas as culturas são julgadas, mas cada cultura tem algo a ensinar acerca de uma ou outra dimensão daquela complexa verdade. Portanto, a diferença que alguns consideram tão ameaçadora poderá ser, mediante um diálogo respeitoso, a fonte de uma compreensão mais profunda do mistério da existência humana”

 

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. *Ética a Nicômaco*. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2012.

BAUMAN, Zygmunt. *Modernidade Líquida*. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

FRANCISCO, papa. *Discurso do Papa Francisco no Simpósio Internacional “Para uma Teologia Fundamental do Sacerdócio”*. Sala Paulo VI, 17 de fevereiro de 2022. Disponível em: <<https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/february/documents/20220217-simposio-teologia-sacerdozio.html>>. Acesso em: 29 jun. 2024.

 

VALE, Lício. *Padre Lício - Suicídio de Padres no Brasil*. Vatican News, 2023. Disponível em: <<https:/www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-07/padre-licio-suicido-padres-brasil.html>>. Acesso em: 29 jun. 2024.

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